sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Sentimentos

Muitas vezes dou comigo a pensar naquilo que sinto quando represento, no antes e no depois.
Os momentos que antecedem a minha entrada no palco são os mais emotivos. É sempre naqueles segundos iniciais que sinto uma enorme vontade de soltar as lágrimas. Penso que seja o facto de dar nome, corpo e alma a alguém que são muitas pessoas que não conheço, que me arrepia e assuta. Acho que é nesse momento que me transformo verdadeiramente na personagem e me distancio de mim. É como se fosse o momento do parto em que finalmente se respira neste mundo pela primeira vez.
Durante a peça os sentimentos são muito diversos, são os da minha personagem, os da contracena, os da espera enquanto observo os restantes actores aguardando a minha vez. São todos os sentimentos desde a ansiedade, à surpresa, raiva, pena, alegria, fascinio ou tristeza. Todos eles aparecem. Se não de uma vez, aparecem numa outra oportunidade, mas não se inibem de se manifestar.
No final é usualmente a alegria do trabalho bem feito, do público satisfeito, mas acima de tudo é o quentinho no coração que assinala mais um bonito momento vivido por mim e pelo grupo nesta nossa tentativa de ser um pouco mais e melhor de cada vez que somos outros que não nós (até mesmo quando os nomes coincidem).
A verdade é que os palcos, sejam eles os do teatro ou os da vida real, são plenos em sentimentos. Uns fazem sentir-nos completos, outros vazios, outros ainda são motivo de tranquilidade, outros de desassossego. Respira-se sentimentos e dia após dia são eles que nos fazem ganhar ou perder as pequenas batalhas do dia a dia e nos fazem crescer.
Afinal o teatro é a vida e a vida é um teatro.
Sónia Ferreira

domingo, 19 de novembro de 2006

cena II

Não deixa de ser estranha esta capacidade que temos de estarmos a actuar e haver um outro eu que paira sobre nós. Ninguém consegue perceber nada disto, a não ser quem já passou por isto. Sempre acompanhados por este encenador-sombra, vamos vivendo outros-nós, supostamente ausentes mas sempre presentes. Ignoramo-los, por vezes, por medo, por desconhecimento, por vergonha. E o teatro passa, também, a ser isso mesmo: o conflito, o nosso espelho, a capacidade de nos corrigirmos, ou não. Disseram-me, um dia, que no palco não tiramos a máscara, que é na vida que o fazemos. Claro está que não acreditei. Não me considero capaz de bater numa mulher, como já o fiz no palco, de ter amantes, como já o fiz no palco, de ser cinicamente ganancioso, como já o fiz no palco. Mas é esta capacidade fantástica de irmos buscar estes sentimentos, sem nunca o sermos na vida... real... que nos faz sair ao encontro do nosso público, os amigos, a família, os desconhecidos, com uma sensação de dever cumprido e prazer e sentirmos aquele olhar especial de quem nos olha a dizer "eu-queria-fazer-isso-também-e-vocês-fazem-no-tão-bem". Afinal, Luís Miguel Cintra disse, um dia destes, há já algum tempo, que o teatro "é a metáfora em forma de gente"... É, não é? Ou não?
E fecha-se a cortina.

Paulo Martins

sábado, 18 de novembro de 2006

cena I

Não é só naquela sala que nos é já tão familiar... É também neste - mesmo - espaço que vamos ao encontro dos que, no dia-a-dia, connosco contracenam. Choros, alegrias, personagens anónimas.
E fecha-se a cortina.

Paulo Martins