segunda-feira, 18 de agosto de 2008

"Diz-me como a chuva"

Ontem fui ver a peça "Diz-me como a chuva", de Tenessee Williams no teatro da Comuna.

Fui impelida pela curiosidade. Esta foi a primeira peça que fiz, foi quando terminei o 1º ano do curso de teatro. Na altura, a minha encenadora e professora foi a Cucha Carvalheiro, que é uma das actrizes da peça agora em cena. A vontade de ver a Cucha naquele que foi o meu lugar, de ver como seria a interpretação e a encenação, levou-me à Comuna no último dia da peça.

O texto foi o que me menos me entusiamou. Apesar de já o conhecer, continuo a sentir que é de dificil compreensão e demasiado fragmentado. Tería que o ouvir contar várias vezes, ou lê-lo novamente uma e outra vez de forma a encontrar as pontes de ligação entre as cenas e os personagens que na verdade são apenas dois que se desdobram.
Escrevo aqui, não apenas para descrever a minha ida ao teatro numa matiné de Domingo, mas porque fui atenta, quase em tom de pesquisa. Queria ver o corpo, queria sentir a encenação e os personagens. E senti. Quando trabalhei com a Cucha ela fazia questão que conhecessemos o corpo, que o usassemos e que o sentissemos. Dia após dia fazíamos exercicios e lembro-me que esta foi a única peça em que me deixei levar pelo extase do corpo sobre a mente racional e impeditiva.
E, mais uma vez, lá estava ela, a usá-lo. A fazer do corpo o seu fantoche, o seu actor para além do texto. As duas actrizes interpretavam diversos personagens, num palco cheio de "tralha", cada um demarcando um momento ou uma cena. Achei interessante o facto do vestuário ser sempre o mesmo e totalmente inócuo. As únicas mudanças ocorriam com o calçar de uma única luva ou de um único sapato de salto alto, ficando o outro pé descalço. Mas a verdade é que a personagem mudava em tudo, no andar, na voz, na postura, na sedução e no olhar. E o corpo ora mais saltitante, ora mais rigido, pesado, leve, constrangedor, perturbador, etc. Houve, até um momento, em que um quase-beijo encheu o palco inteiro de ânsia e angustia.
Podia falar e escrever muito sobre o que vi e acima de tudo do que aprendi, mas termino com a moral da história. Temos que nos soltar mais, oscilar mais os registos, procurar os desencontros em nós próprios e limar as exuberâncias sem as deixar cair, porque cada vez mais acredito que o ridículo também faz parte do real e do personagem que vive em nós.
Vamos a isto, sempre mais e sempre melhor.
Sónia

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sobre a poética do corpo

Depois de ler o artigo sobre Meyerhold, apressei-me a vir escrever-me e escrever-vos.
Durante muitos anos fiz dança e sentia o vibrar do meu corpo a cada pirueta, a cada salto, a cada movimento mais ou menos brusco que encontrava a música e se unia a ela numa fusão sempre simbiótica. Às vezes, ainda hoje, no recanto do meu abrigo, o corpo não resiste ao impulso e danço ao som da música e dos passos técnicos ainda recordados.

Mas no teatro não é assim. A escola que tenho é mais intrínseca e menos clownesca. O movimento que sempre segui foi o do sentimento que vinha de dentro e que fazia o público esquecer que era um actor que existia no palco, mas que se lhe assemelhasse pela empatia do sentir. O teatro pelo corpo do actor, faz-me sentir menos real e mais "ginásta". A verdade, é que, me parece quase incorrecto, porque logo me interrogo: e o sentir? Não pareceremos pitorescos demais?

Mesmo nos ensaios, surge-me uma castração natural ao actor pelo corpo, pois o exagero implicado no personagem, parece-me irreal e distante do objectivo pelo qual temos lutado até agora. E, na verdade, não consinto em levar o personagem ao limite, pois eu própria impus um limite preconcebido e preconceituoso ao personagem e à forma como deixo que molde o meu corpo.

Penso que na nossa forma de interpretar os nossos personagens sempre nos debatemos com uma luta entre o Id e o Superego, entre o que sentíamos querer expor do personagem e o limite do verosímel para o público. Na escola de Meyerhold surge o oposto, surge um Id autêntico, sem pudores nem gentilezas. Se me é dificil olhar as coisas desta perspectiva? Sim. Porquê? Porque sinto falta da técnica, do apoio que me permita libertar o corpo e a mente, expondo o ridiculo e o exagero contra o qual sempre lutei. Porque não temos trabalhado o corpo dessa forma, porque preciso de tempo e de treino.
É preciso deixar o corpo fluir...e o texto também...

Esta será uma nova aprendizagem, nova luta, novo fazer e refazer, um novo e grande desafio. Falta soltar as amarras que entorpecem o corpo e começar a usá-lo, a conhecê-lo e acima de tudo... a trabalhá-lo.

Sónia Ferreira