domingo, 19 de novembro de 2006

cena II

Não deixa de ser estranha esta capacidade que temos de estarmos a actuar e haver um outro eu que paira sobre nós. Ninguém consegue perceber nada disto, a não ser quem já passou por isto. Sempre acompanhados por este encenador-sombra, vamos vivendo outros-nós, supostamente ausentes mas sempre presentes. Ignoramo-los, por vezes, por medo, por desconhecimento, por vergonha. E o teatro passa, também, a ser isso mesmo: o conflito, o nosso espelho, a capacidade de nos corrigirmos, ou não. Disseram-me, um dia, que no palco não tiramos a máscara, que é na vida que o fazemos. Claro está que não acreditei. Não me considero capaz de bater numa mulher, como já o fiz no palco, de ter amantes, como já o fiz no palco, de ser cinicamente ganancioso, como já o fiz no palco. Mas é esta capacidade fantástica de irmos buscar estes sentimentos, sem nunca o sermos na vida... real... que nos faz sair ao encontro do nosso público, os amigos, a família, os desconhecidos, com uma sensação de dever cumprido e prazer e sentirmos aquele olhar especial de quem nos olha a dizer "eu-queria-fazer-isso-também-e-vocês-fazem-no-tão-bem". Afinal, Luís Miguel Cintra disse, um dia destes, há já algum tempo, que o teatro "é a metáfora em forma de gente"... É, não é? Ou não?
E fecha-se a cortina.

Paulo Martins

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