É, acima de tudo, a frustração por ter perdido tudo aquilo que tinha construído até ao momento (apesar de pouco) que sinto após este ensaio. Hoje foi a vez do Acto II e, por isso, o momento de voltar a sentir toda a complexidade de construção de uma personagem. Já tinha referido anteriormente. Está a ser particularmente difícil, desta vez. A predisposição mental é outra, consequência, entre outras, de uma profissão que se torna, de dia para dia, mais esgotante, mais burocrata, menos preocupada (assim o querem os legisladores!) com aquilo que realmente interessa. Mas isso são outras “guerras” que, apesar de o serem, acabam por me levar a sentir, por exemplo, uma dificuldade muito maior em decorar texto. Esta situação leva, também, a que o ensaio seja feito com uma âncora que acaba por arrastar para o fundo e não segurar algo. A personagem passa a existir com um só braço e, às vezes até, sem nenhum, já que é preciso que o actor mude a folha. A leitura passa a ser a voz da personagem, que por sua vez se transforma na personagem…-pode-retirar-o-seu-dinheiro. É verdade que o processo tem sido completamente diferente. Subitamente, o V e o P tornam tudo muito simples e é fantástico vê-los dar o exemplo e tentar, depois, não imitar, mas perceber e tentar fazer diferente. Os exercícios iniciais que temos feito criam uma grande disponibilidade para o ensaio. O da garrafa de água foi muito curioso e houve, realmente, momentos que praticamente não se ouviu a água, tal era a fluidez com que o fazíamos. Depois, foi muito agradável voltar a fazer o do raio que me fez viajar, um pouco, até alguns workshops de teatro feitos em anos anteriores. Há um sentido em todos aqueles exercícios e a forma como também o V nos vai alertando para isso é incrível. Parece tudo tão fácil mas… “isto não é fácil!”. Torna-se, por isso, imperativo decorar o texto e tentar não esquecer, por muito cansaço mental que se tenha, por… por…por… o que foi feito na semana anterior.
Sempre que penso no teatro, penso no privilégio que é o ser-se capaz de se ser outro, de poder ser esse poeta fingidor. Porque há sempre, também, aquela entidade que paira sobre mim, no momento em que vou para o palco, e que me vai sorrindo. E no final, é bom ver a personagem fazer as malas pois já alguém a chama noutro tempo e noutro espaço.
E fecha-se a cortina.
E fecha-se a cortina.
Paulo Martins
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