segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Antestreia

Sinto sempre um sabor especial, quando se aproxima a data de estreia de mais uma peça escrita por mim. É uma espécie de vertigem acompanhada de saudade, uma curiosidade ansiosa de ver em que se tornou afinal o texto que entreguei ao encenador, com alguma pena de que tenha deixado de ser meu.
Não posso intervir na montagem da peça. E, se pudesse, creio que não gostaria de fazê-lo, porque o meu momento é o da escrita. E eu gosto demasiado de fruir o meu momento para ser capaz de interferir na fruição dos momentos próprios de quem desmonta o texto, constrói as personagens (o fascinante trabalho de actor!) e implanta o texto em cena, introduzindo-lhe apontamentos e variações insuspeitas para mim, mas que talvez já lá estivessem…
Sinto sempre um sabor especial, quando se aproxima a data de estreia de uma peça escrita por mim. É uma espécie de plenitude acompanhada de dúvida, uma grande satisfação por saber que há um grupo que se entusiasmou suficientemente com o texto para ousar levá-lo à cena sem saber se, afinal de contas, ele interessará a alguém.
É sempre isto que me faz não querer escrever, de cada vez que me apetece escrever: esta sensação de que não há mais nada para dizer, porque decerto já tudo foi dito da melhor maneira possível por todos os seres humanos dotados da capacidade da escrita que escreveram antes de mim. E, no fundo, acaba por ser exactamente esta convicção de que todas as minhas ideias são tão pouco interessantes que me desafia a lançar-me novamente na aventura da escrita, na mira de conseguir um resultado que mereça algo mais do que o destino do cesto dos papéis.
Sinto sempre um sabor especial, quando se aproxima a data de estreia de uma peça escrita por mim. E, no caso de “Isto Não Aconteceu”, esse sabor é mesmo especial. Porque escrever este texto foi um grande desafio para mim; porque montar este texto em peça foi (está a ser e creio que continuará a ser) um grande desafio para os actores e encenadores; porque assistir ao espectáculo será também um desafio para o público: afinal, até onde quererão levar a sério toda aquela brincadeira, até onde quererão rir da seriedade de tudo aquilo?...
Sinto sempre um sabor especial, quando se aproxima a data de estreia de uma peça escrita por mim. O que vale é que tudo passa depressa, grosseiramente depressa. A firme impaciência dos sonhos impele-me para a frente e a frágil complacente memória das coisas permite-me encolher os ombros e perguntar: será que, afinal, isto aconteceu?

Álvaro Cordeiro

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