segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A parte de fora e o lado de dentro

Vista por fora, a peça é um efeito exterior; vivida por dentro, é o corolário de um processo interior.
Vista por fora, a peça é maior ou menor perfeição, fluidez narrativa, verosimilhança cénica, consistência de personagens; vivida por dentro, é a meta (ou o ponto visível tornado meta) de um percurso feito de interrogações, obstáculos, riscos, falhanços, insistências, dúvidas, persistências, conquistas, sonhos e realidades.
O teatro é fascinante por isso: a parte de fora é diferente do lado de dentro. E não é de todo a mesma coisa apreciá-lo de um local ou do outro da invisível parede vivencial que separa a cena do anfiteatro, que afasta os actores do público.
Por isso, as sensações, emoções e reflexões que “Isto Não Aconteceu” proporciona a todos quantos já assistiram à sua representação são claramente diferentes das sensações, emoções e reflexões que a peça provoca em quem está envolvido na representação e encenação do texto. E, por isso mesmo, o testemunho que dela se pode dar é sempre parcial, sempre incompleto.
Talvez o verdadeiro sentido da peça esteja no misto das duas coisas: a parte de fora e o lado de dentro. Mas quem poderá saborear essa plenitude?
Talvez eu, que escrevi o texto. Talvez esse verdadeiro sentido, a que actores e público só acedem em parte, corresponda a uma espécie de essência primordial – a ideia! – que está contida no texto (e que, porventura, o texto não consegue transmitir nem mesmo a quem o desmonta para o implantar em cena…).
Permitam-me esta vaga presunção: acho que, no fundo sou eu quem, no acto da escrita, consegue saborear, ainda que fugazmente, a verdadeira dimensão de tudo o que acontece à volta de “Isto Não Aconteceu”… de fora e por dentro.
Hão-de dizer-me que, nesse caso, eu poderia testemunhar da forma mais completa o significado de tudo. É verdade, e é isso que eu faço. Por isso escrevi o texto.


Álvaro Cordeiro

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